Por Letícia Constant
Reportagem publicada em 10/03/2005 Última atualização 22/03/2005 17:18 TU
A rua só para pedestres é pequena e calma. O hotel onde Vilson Vasconcelos mora há 19 anos também é pequeno e calmo. Segundo andar. Da escada já dá para ouvir a televisão e o barulho de panelas. Ele abre a porta com um sorriso, « já almoçou ? »
Uma cortina divide o ambiente em dois. « Cozinha prá lá, quarto prá cá ».
Em cima do armário, a cuíca bem arranjada ao lado de « chapeuzinhos de malandro » de várias cores. Mais um tamborim, um pandeiro e outros instrumentos de percussão. Nas paredes, cartazes de concertos e fotos de família e de amigos.
Assim é o universo simples e repleto de lembranças de um dos personagens mais populares e pitorescos do meio musical brasileiro em Paris. « Vilson se escreve com V ! Cê anotou ? »
Caminhos abertos
Chapeuzinho de palha, terno colorido , camisa listrada e a cuíca pendurada no pescoço , Vilson encarna até hoje a velha guarda da sua cidade, o Rio de Janeiro. Depois de trabalhar como músico nas noites cariocas, ele acabou atravessando o Atlântico para fazer shows em Portugal com um grupo brasileiro.
Em 1979 desembarcou em Paris. Mesmo estranhando o frio e não falando uma só palavra de francês, Vilson trouxe do Brasil a esperança característica do povo. A sorte também ajudou e logo ele foi chamado para participar de uma turnê por toda a França.
Esse primeiro contato com uma outra cultura e novas paisagens o deixou encantado. « O resto da França que me desculpe, mas prefiro a Bretanha e a região de La Creuse ».
Seu talento na cuíca e no pandeiro, aliado à sua figura folclórica, lhe valeram um contrato que durou quatorze anos no restaurante « Chez Felix », referência parisiense da música e da cozinha brasileiras . O local conheceu seus tempos áureos entre as décadas de 60 e 80. Foi lá que ele conheceu o famoso violonista Baden Powell, que o convidou para tocar em um de seus discos. Foi lá também que ele viu Elis Regina « dar uma canja ».
Samba e criançada
Os anos se passaram, mas o ritmo de trabalho (e do pandeiro) de Vilson continua intenso. Ele é muito solicitado para tocar em festas e banquetes, e costuma terminar suas noites em algum bar brasileiro. « Não tem nada melhor do que tocar com os amigos e tomar umas cervejinhas ! »
Mas esse boêmio carioca também tem uma paixão que faz seus olhos brilharem antes mesmo de começar a contar. Ele ensina samba e percussão brasileira para crianças francesas. E elas também têm jeito ? « Claro ! Pegaram o ritmo rapidinho, já estão batucando que é uma beleza ! As crianças são tudo prá mim».
Observando seu jeito travesso e brincalhão, eu penso que ele também é uma criança de 68 anos, uma criança de cabelos brancos.
Antes de sair, ele me convida para ouvir o samba que compôs com o amigo « Jacaré do Cavaco » em homenagem ao cineasta francês Marcel Camus, que filmou no Brasil « Orfeu Negro ».
Sem me dar conta, já estou cantando o refrão junto com ele. Porque Vilson Vasconcelos é assim : a alegria em pessoa que acaba contagiando todo mundo. Bom, Vilson, já vou indo. « Na próxima vez, te faço uma feijoada ! »
Fui descendo os degraus com o samba do Marcel Camus na cabeça.
Quando já estava quase na porta da rua, ouvi a voz dele gritando lá do alto da escada : « Vilson se escreve com V ! Cê anotou ? »