Por Daniela Fernandes
Reportagem publicada em 16/03/2005 Última atualização 18/03/2005 17:22 TU
Conhecer uma cidade através da janela do ônibus acaba sendo inevitável para as pessoas que fazem excursões pela Europa, com roteiros que incluem vários países em poucos dias. A paulista Maria só conhece Paris da mesma forma, mas ela não pagou mil dólares para uma agência de turismo para visitar tudo às pressas. Ver os monumentos pela janela faz parte de sua rotina na capital francesa, onde mora há dois anos. Maria (nome fictício para preservar sua identidade) é imigrante ilegal e sua sobrecarregada rotina de trabalho como faxineira não lhe permite passear pelas ruas de Paris. Ela só conhece a cidade, como ela mesma diz, através da janela dos ônibus que toma para se dirigir às três ou quatro casas onde trabalha normalmente todos os dias. Maria é o que os franceses chamam de "sans papier" (sem papel, ou seja, sem documento).
A paulista, aliás, mora ao lado da torre Eiffel, em um dos bairros mais elegantes de Paris. Mas nunca visitou a torre, que atrai mais de 6 milhões de turistas anualmente e é considerada o monumento pago mais visitado em todo o mundo. Apesar da localização, o apartamento que ela divide com uma amiga brasileira, que também faz faxinas, tem menos de 30 metros quadrados e fica no sétimo andar sem elevador. Esse modo de vida, que poderia parecer desencorajador mesmo para muitos brasileiros dispostos a qualquer sacrifício para viver no exterior, é visto de forma positiva por ela, que sempre sonhou, como muitas pessoas no Brasil, conhecer outros países. Essa oportunidade, que implica a esperança de um futuro melhor, ela pretende aproveitar ao máximo. Mesmo que até agora não tenha tido a ocasião de desfrutar das inúmeras oportunidades culturais e turísticas de Paris; mesmo que não conheça nenhum museu na cidade.
Esse era seu objetivo inicial quando deixou Osasco, na Grande São Paulo, e seu emprego de demonstradora de artigos de lingerie em lojas, para trabalhar na casa de uma família brasileira de mudança para a França. Maria havia pensado que tomaria apenas conta das crianças e teria tempo para estudar francês e passear. Engano. Além de morar em uma cidade distante da periferia de Paris, ela precisava fazer todas as tarefas domésticas. E ficou sem tempo e dinheiro para pagar o trem para visitar Paris e aprender a língua. Maria, que (não revela a idade, diz “estar na faixa dos 40”) cursou até o supletivo no Brasil. Ela vem de uma família modesta e tem seis irmãs. Seu pai era agente de segurança e sua mãe, hoje aposentada, era cozinheira em um restaurante.
Preces diárias
"Não tenho planos de voltar". (Foto: Daniela Fernandes) |
Maria, como clandestina, não beneficia do reputado sistema social francês. Sem plano de saúde, ela paga médicos e exames particulares. Faz parte, portanto, do reduzido número de pessoas que não têm seguro médico do governo no país, que inclui reembolsos de consultas, exames e remédios. E reza a Deus diariamente, como ela diz, para que nada lhe aconteça. Como também procura, apesar de sua clandestinidade, agir da forma mais correta possível para nunca ter problemas. Ela tem receio de que a polícia lhe peça um dia na rua os documentos, mas procura não pensar nisso com freqüência. Ao contrário da Espanha e da Itália, que lançaram recentemente iniciativas para regularização de seus imigrantes ilegais, a França está reforçando as medidas para expulsão de seus clandestinos. O ministro do Interior, Dominique de Villepin, declarou recentemente que espera aumentar o número de casos de expulsão para 20 mil, em 2005, contra 16 mil no ano passado.
Mas Maria prefere não pensar nisso, embora esteja sempre atenta às informações a respeito. Ela trabalha mais de 40 horas por semana e recebe 10 euros por hora (cerca de R$ 35), já que na França as faxinas são feitas por hora e não por dia de trabalho, como no Brasil. Ela está tentando outro projeto: preparar jantares, embora não se considere realmente uma cozinheira de verdade, como sua mãe.
Trabalho mais respeitado
Maria não acha que esteja reproduzindo na França a mesma situação que viveria no Brasil. “O trabalho de faxineira aqui é mais respeitado. A jornada de trabalho também não é a mesma e além disso a remuneração também é muito melhor”, afirma. Mas Maria também gasta em euros e por isso nenhuma extravagância é permitida quando o objetivo é juntar dinheiro. O tempo livre, ela passa descansando para estar em forma no dia seguinte e “vendo televisão”, embora ainda não domine a língua o suficiente para entender o conteúdo dos programas. Ela tem inúmeras amigas brasileiras em Paris, muitas clandestinas, como ela, que trabalham o tempo todo como manicures, faxineiras e cozinheiras. “Todo mundo trabalha muito e o tempo que temos livre é para descansar”, afirma.
Ela não tem planos de voltar ao Brasil no momento, embora sua mãe lhe peça sempre para retornar. “Não é o momento. Ganho aqui na França como uma pessoa que tem formação no Brasil. E mesmo para essas pessoas está difícil encontrar trabalho atualmente”, diz ela. Maria pretende comprar uma casa quando voltar e se esforçar para viver com mais conforto.