Por Maria Emilia Alencar
Reportagem publicada em 09/03/2005 Última atualização 21/03/2005 14:58 TU
Quando Flávio Shiró dá o seu endereço no bairro do Marais em Paris, ele sugere que a pessoa faça exatamente sessenta passos depois do portão de entrada do edifício, antes de virar à esquerda e bater na porta de sua casa. Essa é a senha para sermos teletransportados para um mundo paralelo, que não tem nada a ver com a agitação do lado de fora. Descobrimos maravilhados uma imensa sala com pé direito altíssimo iluminada por um pátio interno cheio de plantas, com uma escultura no centro. Em cima de uma lareira antiga, um grande cocar indígena triunfa soberano ao lado de objetos asiáticos, esculturas africanas e algumas bonecas de porcelana restauradas. Entre as diversas telas abstratas nas paredes, um rosto meio cubista com orelhas bem grandes. « Esse quadro se chama Pablo e foi feito alguns dias antes da morte de Picasso » explica ele.
Nao resta dúvida de que entramos na casa de um artista, mas também na galáxia Shiró, que navega entre três continentes : Ásia, América e Europa.
Do Japão à Amazônia
Flávio Shiró (Foto : Maria Emilia Alencar/RFI) |
Nos anos 40, Shiró vive um novo choque cultural com a mudança para São Paulo, ainda adolescente. A segunda guerra mundial havia começado e por causa da posição do Japão, aliado à Alemanha nazista, os imigrantes japoneses eram encarados de modo mais hostil no Brasil. O diploma de Odontologia do pai não foi reconhecido e a família Tanaka foi trabalhar nas plantações de chá em Mogi das Cruzes, antes de abrir uma quitanda na Rua Augusta, no centro de São Paulo. A cidade, em plena expansão, tinha muito a oferecer à vocação artística do jovem Shiró: incentivado pelo pai, ele começa a frequentar as sessões de modelo vivo do Grupo Santa Helena, conhece artistas como Volpi e Mário Zanini e participa de sua primeira mostra de pintores com telas expressionistas, aos 19 anos.
Samurai dos pincéis
Shiró, que além de pintor, é gravador , desenhista e cenógrafo, sempre oscilou, em mais de cinco décadas de carreira artística, entre a arte figurativa e não figurativa. Ele insiste, no entanto, em privilegiar a força da Amazônia brasileira em sua obra e sorri mostrando uma tela com traços negros que à primeira vista poderia sugerir uma caligrafia oriental : « isso é um igarapé da Amazônia. Mas é engraçado… Andre Malraux, célebre ministro da cultura da França, quando viu essa tela na II Bienal de Paris, em 1961, pensou que era um Cristo crucificado ».
Sua relação com Paris começou em 1953, quando obteve uma bolsa de estudos por um ano. Nunca mais ele se separou da cidade, onde comprou um velho galpão no bairro do Marais e o transformou, ele mesmo, em sua bela residência e ateliê. Ele nunca se separou também do Brasil e trabalha uma parte do ano em seu ateliê no bairro do Catete, no Rio. Do Japão, ele guarda as pinceladas vigorosas que podem vir de sua descendência dos samurais do século IX, descoberta há pouco tempo. Flávio Shiró se define: « sou como uma figueira brava, ligado a três continentes por raízes aéreas ».
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09/03/2005 Por Maria Emilia Alencar
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