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Por Elcio Ramalho
Reportagem publicada em 05/08/2005 Última atualização 05/08/2005 15:16 TU
A conversa animada do grupo de associados reunidos em frente à sede da Coopfrut - cooperativa mista de pequenos produtores rurais de Igarapé-Miri - sugere que o assunto gira em torno da fruta que devolveu o sorriso e confiança aos agricultores da região: o açaí. Engano.
Os agricultores desta região, distante 150 quilômetros da capital Belém, trocam informações sobre as plantações e cultivo de laranja, maracujá, caju, cupuaçu e outras espécies frutíferas locais como o taperebau e o buriti. Longe de imaginar que eles pensam em substituir o plantio da cultura mais tradicional do interior paraense, o do açaí. “Além do açaí, eu estou plantando em casa outras frutas como maracujá, cupuaçu ... e estou incentivando outros produtores a fazerem o mesmo para que daqui um ano, um ano e meio, a gente possa estar trazendo essas frutas para serem processadas na fábrica nos períodos de entressafra do açaí”, diz Lauro Fonseca de Vilhana, conselheiro da cooperativa.
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Os pequenos produtores de açaí da região aprenderam, com os técnicos do POEMA e da Emater, a fazer a colheita selecionada. |
Construída pelo programa interdisciplinar da Universidade Federal do Pará, o POEMA - Pobreza e Meio Ambiente na Amazônia -, com recursos regionais e da União Européia, a sede administrativa da cooperativa funciona em escritórios ao lado dos equipamentos e câmaras frigoríficas que processam e estocam a polpa do açaí e dos laboratórios onde são realizadas pesquisas para o desenvolvimento de produtos a serem lançados no mercado.
Desde a criação em 1999, a Coopfrut se tornou o porto seguro para os 273 pequenos produtores rurais . Eles estão reunidos em 17 associações que fazem parte do projeto, envolvendo as famílias ribeirinhas que produzem o açaí e a agroindústria que agrega valor à fruta com o processamento e comercialização da polpa.
Preço fixo e compra garantida da produção dos associados
A chegada da Coopfrut foi a garantia para os associados de que a produção deles tem um comprador certo e um preço justo pago pela fruta . “A cooperativa surgiu para resolver os problemas dos produtores que jogavam o açaí fora, deixavam estragar porque não tinha comprador ou vendiam a 50 centavos uma lata”, lembra o presidente da cooperativa, Milton Machado .
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Milton Machado, presidente da Coopfrut, conseguiu aumentar o preço da fruta e afastar os marreteiros. |
Além de comprar a produção, a Coopfrut vai buscar de caminhão o açaí trazido pelas comunidades até a beira do rio Igarapé-Miri, distante poucos quilômetros da agroindústria.
Barcos e antenas parabólicas: sinais de uma melhoria de vida
Na descida pelo rio Merú, em direção às comunidades de Nazarezinho e Tucumandeua, o desfile contínuo dos açaizais só é interrompido quando surgem nas margens ribeirinhas as casas simples de madeira e palafitas .
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Um peconheiro no açaizal das margens do rio Merú, no Pará. |
Nos quintais das propriedades é possível avistar de longe, no topo da palmeira típica da região amazônica, os peconheiros, como são chamados os apanhadores de açaí que sobem até 25 metros para colher o cacho maduro, usando nos pés apenas um ramo torcido de folhas da árvore.
“Os produtores hoje sabem colher direitinho porque foram todos treinados”, comenta o presidente da Coopfrut, Milton Machado.
O trabalho de organização social dessas comunidades e o ensino de técnicas agrícolas, para os produtores fazerem o manejo correto do açaí e uma colheita selecionada da fruta, foi a primeira fase do projeto.
Técnicos do POEMA e da Emater, empresa de assistência técnica
e extensão rural, vieram até às propriedades desenvolver o trabalho de base junto aos produtores que estavam acostumados a plantarem e colherem a partir de experiências próprias, sem nenhum conhecimento técnico.
“Hoje, a gente está seguindo as orientações como o espaçamento de 3 a 5 metros entre uma planta e outra na hora do plantio. Antes não, limpava a área e plantava de qualquer jeito . Agora dá mais produção. E hoje a gente já seleciona no pé. O que não está maduro a gente deixa. Antes colhia tudo junto”, lembra Joani Gonçalves de Melo, explicando que só colhe o açaí quando ele está pretinho no cacho, deixando o verde na árvore para colher na chamada safrinha.
O trabalho desenvolvido através da cooperativa também eliminou uma prática que só trazia prejuízos aos agricultores. “Antes a venda era individual. Cada um colhia o seu, os preços eram diferenciados e o negócio não ia para frente. Agora o produto já é vendido consorciado e os atravessadores ficaram de lado”, garante Salim Vitor de Melo, produtor, de 66 anos. “Antes nós vendíamos nossos produtos para marreteiros. Em época de safra só faltava dar o produto. Quando chegava na cidade dava o horário da venda do açaí e, se não vendia, jogava fora. Perdia o capital. Agora não, já não tem mais prejuízo porque vende direto para a cooperativa, já tem segurança, e na safra o preço não cai”, diz o produtor Joani .
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“Hoje, a gente seleciona a fruta no pé. O que não está maduro a gente deixa” (Joani Gonçalves de Melo) |
Açaí para paulistas, cariocas, americanos e australianos
Em época de safra, a viagem para coleta e entrega do açaí nas comunidades ribeirinhas dura em média entre 3 e 4 horas . Na agroindústria, o açaí passa por equipamentos que transformam a fruta in natura em polpa; ela é estocada pura ou misturada com mel e essências de frutas regionais como guaraná , cupuaçu, e tradicionais como abacaxi e maracujá.
O sucesso, principalmente entre consumidores de São Paulo e Rio de Janeiro onde a polpa e o suco de açaí eram servidos como repositores de energia em bares e academias de ginástica, motivou os produtores da Coopfrut . A capacidade de produção foi ampliada e hoje já pode atingir 600 toneladas com a conquista também do mercado externo. O mix “açaí com guaraná”, por exemplo, caiu no gosto dos consumidores nos Estados Unidos. E a Austrália já encomendou 75 toneladas de açaí misturado com maracujá, acerola, cupuaçu e abacaxi.
“O açaí é o ouro preto para nós produtores paraenses”, exalta o presidente da Coopfrut, Milton Machado.
Para o engenheiro químico, Raimundo Frazão, responsável pelo controle de qualidade da fábrica, o sucesso da fruta se deve a suas propriedades naturais. “O açaí tem um antioxidante, a antocianina, que desentope as artérias e tem muita fibra, além de uma parte de ferro excelente para o organismo”, explica.
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Raimundo Frazão controla a qualidade do mix açaí-com-guaraná exportado para Austrália e Estados Unidos. |
No laboratório da Coopfrut, Raimundo Frazão está na fase final de suas pesquisas com outro produto típico da Amazônia, o buriti. Não há fruto no mundo que tenha mais vitamina A do que o buriti . Ele tem 10 vezes mais vitamina A que a cenoura, afirma o engenheiro.
A idéia é fazer farinha de buriti para substituir o trigo
em sopas e na fabricação de
massas e biscoitos recheados.
De olho nesse filão inexplorado do mercado, os produtores já estão conservando a planta, usada nessa região principalmente para fazer rampas para acesso às casas . “O buriti vai estourar no mercado como o açaí”, afirma convencido o engenheiro Frazão, já trabalhando com a hipótese de criar uma cadeia produtiva igual à bem sucedida experiência com o açaí .
áudio
05/08/2005
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