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Efervescência cultural contra a ditadura no Brasil e solidariedade dos cineastas na França com a revolta estudantil

Reportagem publicada em 05/05/2008 Última atualização 09/05/2008 13:15 TU

Coro da peça Roda Viva na encenação de José Celso Martinez Correa em 1968.

Coro da peça Roda Viva na encenação de José Celso Martinez Correa em 1968.

O mundo cultural correu atrás da agitação política em 1968.

O contexto no Brasil e na França era muito diferente. Neste programa você vai ouvir o diretor de teatro José Celso Martinez Correa, que em 68 criou uma peça que provocou a ira dos mais reacionários dos conservadores, que tiveram a audácia de destruir o teatro onde a peça era mostrada e espancar os atores.

Desde essa época, Zé Celso vem sendo um grande inovador no teatro e vai nos contar como foi esse 1968, com o Brasil já vivendo seu quarto ano de ditadura militar, mas com o pior ainda por vir, o AI-5, ato de enorme repressão promulgado pelos militares em dezembro de 68.

José Celso Martinez Correa comemorou neste primeiro fim-de-semana de maio em São Paulo os 50 anos do Teatro Oficina cantando e tocando piano.Foto: UzynaUzona

José Celso Martinez Correa comemorou neste primeiro fim-de-semana de maio em São Paulo os 50 anos do Teatro Oficina cantando e tocando piano.
Foto: UzynaUzona

Enquanto isso, na França, estudantes nas barricadas de Paris, fábricas ocupadas pelos operários, o mês de maio de 68 estava agitadíssimo, mas uma cidade tentava continuar de fora desses tumultos - era Cannes, onde acontecia a 21ª edição do Festival Internacional de Cinema.

Pouco depois do início do festival que, ironia da História, foi aberto com o filme E o Vento Levou, Milos Formam e outros diretores anunciam que retiram seus filmes da competição. Quatro membros do júri se demitem, mas o presidente do festival quer continuar. Começa então uma discussão imensa entre cineastas, críticos e o pessoal do cinema presente em cannes sobre o que fazer.

François Truffaut não tem duvidas, o festival tem que parar : Jean Luc Godard, que no ano anterior havia lançado um filme premonitório sobre os eventos de maio de 68, A Chinesa, lamenta a falta de engajamento dos cineastas. E finalmente, o presidente do festival de cannes não tem escolha e anuncia o encerramento do festival, no domingo 19 de abril. Na sua edição deste ano, 40 anos depois de 68, o Festival de Cannes organiza uma mostra especial dos filmes selecionados em 68 e que não foram mostrados na época.

Claude Lelouch, Jean-Luc Godard, François Truffaut, Louis Malle e Roman Polanski defendem em Cannes o fechamento do festival, em apoio ao movimento estudantil.Foto: Tourte/StillsGamma

Claude Lelouch, Jean-Luc Godard, François Truffaut, Louis Malle e Roman Polanski defendem em Cannes o fechamento do festival, em apoio ao movimento estudantil.
Foto: Tourte/StillsGamma

Ainda no cinema, se você quer ter uma boa idéia do que foi maio de 68 aqui na França, duas sugestões - Grands Soirs et Petits Matins, de William Klein, uma edição de imagens da época, da insurreição dos estudantes e das batalhas de rua, imagens impressionantes, de trás das barricadas, que William Klein filmou na época e só foi montar duas décadas depois. A outra dica é Mourir à 30 ans, de Romain Goupil, um filme-testamento em homenagem a um amigo do cineasta, que como ele foi um militante estudantil de extrema-esquerda muito ativo a partir de 65, mas que acabou por se suicidar no começo dos anos 80. Romain Goupil, que filmou muito da sua militância entre 65 e 75, mostra as utopias dos jovens da época e os descaminhos que elas acabaram encontrando. Um filme exaltante e comovente.

 

(Reportagem de Pamela Valente)

 

ÁUDIO

Jean Luc Godard

Cineasta

“Não há um só filme neste festival que mostre problemas estudantis ou operários. Nenhum filme. Nem Milos Formam, nem Polanski, nem eu nem François Truffaut fizemos esses filmes. Nós estamos atrasados. Nossos camaradas estudantes nos deram o exemplo, eles enfrentaram a polícia uma semana atrás e apanharam. A questão não é mais ficar aqui vendo filmes. Por enquanto é evidente que nós devemos, com mais de uma semana de atraso, manifestar a solidariedade do cinema com o movimento estudantil e operário que está acontecendo na França. A única maneira prática de fazer isso é interromper imediatamente todas as projeções”.

 

 

Ouça a entrevista de José Celso Martinez Correa na íntegra :

José Celso Martinez Correa

Diretor de teatro

“Eu tenho a impressão que manter viva a atmosfera de 68 na classe média hoje é mais difícil porque os jovens têm muito medo de perder os pequenos privilégios que eles têm como pequenos-burgueses. Então eles tentam se encaminhar mais para o enclausuramento na sociedade do espetáculo, nos condomínios, nos guetos, nos shoppings, nesses lugares fechados, nas suas carreiras, nos empreguinhos. Quem não tem empreguinho cai na vida. Mas como a maior parte das pessoas está na vida, tem uma cultura já desenvolvida, daqueles que são obrigados a viver o aqui e o agora. Como é o meu caso, inclusive. Se eu não viver o aqui e o agora estou fodido, porque não tenho propriedade, não tenho plano de saúde, não tenho porra nenhuma, eu vivo do meu corpo. Para essas pessoas, já não vale nenhuma ideologia, nenhum catecismo (...). A ideologia passa a ser a maior mentira que existe e a utopia passa a ser a realidade”.