Reportagem publicada em 28/04/2009 Última atualização 28/04/2009 15:45 TU
Por Alfredo Valadão
Mais uma vez, o mundo parece estar a mercê de um processo viral. Mas desta vez não se trata de uma pandemia de desconfiança se alastrando pelas Bolsas e mercados de commodities do planeta, desalavancando títulos e fundos "hedge". Já não bastava a crise financeira e econômica global. Agora, é a vez de vírus verdadeiros, em carne e osso, por assim dizer. E a carne e o espírito é de porco. A explosão de gripe suína no México e a rápida expansão da gripe para o resto do mundo não tem graça nenhuma.
Na Europa, a famosa gripe espanhola que matou dezenas de milhões de pessoas em menos de dois anos no final da Primeira Guerra Mundial, ainda é lembrada com pavor. Só a Peste Negra na Idade Média e seus 30 milhões de mortos marcou a memória coletiva desta maneira. Com a descoberta dos antibióticos e tratamentos antivirais, o mundo começou a respirar, achando que o tempo das grandes pragas históricas havia acabado. Afinal de contas, a medicina moderna havia vencido a sífilis, a tuberculose e várias outras doenças mortais. Mas a ficha acabou caindo com a Aids e nos últimos anos com o SRAS, na China, e a gripe aviária.
A Aids continua matando centenas de milhares de pessoas, mas a humanidade descobriu um jeito de isolar, mais ou menos, o processo de propagação. O SRAS e a gripe aviária provocaram pânico, mas as autoridades sanitárias conseguiram controlar. Agora, é a vez da gripe suína e a Organização Mundial da Saúde já alertou para os riscos de pandemia - apesar de também afirmar que a comunidade internacional estava bem melhor preparada para combater o bicho.
Que esta gripe venha ou não a se tornar uma pandemia mundial parecida com a Peste Negra, o mais ameaçador nestes surtos virais planetários é que, pela primeira vez, as epidemias não parecem mais respeitar a barreira das espécies: praticamente todos estes vírus novos são mutantes, pedaços de vírus animais combinados com vírus humanos.
Na verdade estas doenças globais não são nada mais do que a adaptação do mundo viral à globalização. Os animais domésticos comem rações que vêm do mundo inteiro e, às vezes, até feitas com produtos animais. As carnes são exportadas e transformadas pelo planeta inteiro. Tudo se mistura e viaja: o são e o podre, a bactéria, o vírus e a liberdade de comer – barato – os produtos mais exóticos. Mas não se trata só dos animais.
Os seres humanos nunca beneficiaram de tamanha mobilidade geográfica. O turismo de massa e as milhões de viagens de negócios globalizados põem o mundo inteiro em contato com o mundo inteiro, transportando gente, sonhos e bactérias. Animais, insetos, vírus, passeiam pelo globo a bordo dos aviões e dos navios cargueiros. A era das pandemias globais ainda está na infância e o pior ainda vem por aí. Mas o que a globalização provoca, a globalização também pode resolver.
Não há dúvida de que o planeta está bem melhor preparado para enfrentar este desafio do que na época do aparecimento da Aids. Os sistemas de alerta e detecção, em redes planetárias, funcionam cada vez melhor. E estas redes permitem isolar e estudar a composição dos vírus de maneira rápida e eficiente. Apenas dois dias depois da explosão mexicana, o Banco Mundial já abriu um crédito de 205 milhões de dólares para que o México possa combater a epidemia. A mobilização dos governos, da mídia ou das autoridade sanitárias foi imediata.
Trata-se, portanto, de um fenômeno bem do nosso tempo, neste mundo onde a produção, as finanças, a informação, o comércio, os valores e até a identidade de cada um funcionam em redes globais, com um modelo que poderíamos chamar de "pandêmico". Uma pequena falta de confiança no mercado hipotecário americano acabou se transformando na pior crise econômica desde a Grande Depressão dos anos 30. Mas é também possível que, justamente graças a esta capacidade de propagação imediata de qualquer fenômeno, a volta do crescimento econômico seja bem mais rápida do que previsto. De repente, basta uma pequena onda de confiança nos mercados para que tudo se acelere de novo.
É bom lembrar o pânico do SRAS e da gripe aviária. Toda a gente estava certa de que uma horrível epidemia ia arrasar com boa parte da humanidade. Hoje, só os técnicos ainda falam nestes vírus. Provavelmente, a conexão de todos os biólogos e instituições de saúde com capacidade de combater as ameaças virais vão também acabar domando a gripe suína, rapidamente. Mas a verdade é que a humanidade está sendo obrigada a aprender a sobreviver num planeta onde tudo está cada vez mais conectado a tudo, e onde as alegrias e as tragédias serão vividas por todos e enfrentadas por todos.
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