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Brasil/Israel

"Antes de meter a colher, Brasil precisa conhecer a fundo o conflito israelo-palestino", afirma analista

Reportagem publicada em 16/03/2010 Última atualização 16/03/2010  11:09 TU

Benvindo ao Oriente complicado. O presidente Lula aterrissou no aeroporto Ben Gurion, para uma visita a Israel e à Autoridade Palestina, no meio de uma baita crise entre israelenses, americanos e palestinos. Mais uma, como sempre.

Declarações furiosas, pressões verbais, divisões internas e todos os protagonistas jogando o tradicional jogo de empurra-empurra para marcar pontos políticos. Enquanto isto nada avança. Tudo normal para quem conhece a região, nem que seja só um pouquinho. Mas o que é que Lula foi fazer nesse saco de gatos, na primeira visita de um chefe de Estado brasileiro no Oriente Médio desde Dom Pedro II ?

Já faz algum tempo que a diplomacia brasileira vem defendendo a idéia de meter a colher no conflito Israel-Palestina. O argumento é que o Brasil sendo um país pacífico, onde judeus e árabes convivem numa boa, ele poderia ter um papel positivo como mediador na negociação entre as partes. Além do mais, o país cresceu, está se tornando um ator global e, portanto, tem que assumir responsabilidades globais pela manutenção da segurança internacional.

Nada mais justo, e essa atitude de se comprometer com os problemas do mundo, em vez de ficar eternamente sentado em cima do muro, só merece aplausos. A questão é que antes de sair por aí se autodenominando intermediário, seria melhor conhecer o problema a fundo, em toda a sua dimensão histórica, política e cultural.

Lula, antes da partida, havia declarado que a região precisava de um interlocutor “neutro”, como se não tivesse havido já dezenas de intermediários “neutros” que quebraram a cara nos últimos cinquenta anos tentando resolver o conflito. É bastante ingênuo pensar que a possível solução é uma questão de boa vontade, que todo mundo só quer a paz mas não consegue negociar por causa de alguns mal-entendidos que o Brasil pacífico vai destrinchar.

A verdade é que todo mundo sabe qual poderia ser o conteúdo básico de um acordo de paz: dois Estados, mais ou menos dentro das fronteiras de 1967, sem direito à volta para o território israelense dos refugiados palestinos que estão em países estrangeiros e com Jerusalém como capital para os dois lados.

Se a paz não acontece, não é por falta de claridade, nem de um intermediário neutro, mas sim, porque não há nenhum consenso sobre as vantagens e desvantagens de um acordo, nem em Israel, nem nos territórios palestinos, nem países vizinhos.

Todo mundo quer a paz mas só nos seus próprios termos. Hoje, tanto os israelenses quanto os palestinos sabem perfeitamente que única chance de avançar não virá de um mediador “bonzinho”, mas de uma potência com cacife suficiente para pressionar seriamente os dois lados e todos os governos vizinhos que nunca cessaram de se intrometer também no jogo.

Aliás, tanto Israel quanto a Autoridade Palestina sempre brincaram com todos os mediadores de boa vontade, mas na hora do “vamos-ver”, quando as coisas parecem que vão avançar, os dois lados exigem a mediação e a garantia da potência americana.


E aí aparece o Brasil, com um sorrisão, levantando o estandarte de seus “brandos costumes” e de sua “neutralidade” para dar conselhos tão decisivos quanto apelar para que o Hamas e Fatah “se unam” e acabem com as rivalidades entre palestinos, porquê senão não vai dar para negociar. Expressar o óbvio não custa nada, mas também não leva a nada. Parece até a carta mandada pela Igreja Positivista do Brasil para os governos europeus no começo da Primeira Guerra mundial, explicando que a guerra era um absurdo e que os governos deveriam parar com isto. Ela tinha razão, é claro, mas era totalmente irrelevante.

Da mesma maneira que, enquanto o Brasil não tiver cacife político e militar para pressionar ou garantir um acordo de paz na região, nunca será levado a sério. E, pior ainda, será utilizado pelas diversas partes em conflito, como aliás já está acontecendo com o Irã de Ahmadinedjad que usa da “neutralidade” brasileira para ganhar tempo para o seu programa nuclear cada vez menos ambíguo e escapar das sanções que até os Russos acham necessárias.

E o Brasil declara que vai pedir ao presidente iraniano que ele “dê a sua palavra” que tudo isto é para fins pacíficos. Palavra, obviamente, que vai convencer o mundo inteiro, não é? Essa diplomacia tupiniquim para o Oriente Médio tem todo ar do “realismo ingênuo” dos nossos queridos e velhos positivistas.

(Alfredo Valadão, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris)

 

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