Reportagem publicada em 06/05/2008 Última atualização 07/05/2008 23:47 TU
Três estudantes lideraram o movimento de maio de 68. Da esquerda para a direita, Alain Geismar, Jacques Sauvegeot e o atual deputado europeu Daniel Cohn-Bendit.
Foto: AFP
RFI: Bom dia, presidente!
FHC: Bom dia. É um prazer falar com você.
RFI: O senhor estava em Paris em maio de 68, tinha contato tanto com estudantes quanto com professores. O senhor sentia uma insatisfação na sociedade francesa que anunciasse o que aconteceria depois?
FHC: De fato, eu estava
Eu me recordo que o Celso Furtado... Nós almoçávamos todas as quartas-feiras, juntos - o Luciano Martins, o Celso Furtado e eu - que éramos professores na França e, eventualmente, o Valdir Pires, que também era professor por lá. Um dia chegou um brasileiro chamado Paulo Tarso Santos, que tinha sido ministro da Educação, conhecia mal a França e nos perguntou: "O que vai acontecer aqui?". E o Celso Furtado, que era o mais conhecedor da França entre todos nós, disse: “Aqui está havendo essa discussão sindical, mas não vai acontecer nada de grave, porque é uma sociedade com alto grau de racionalidade, não sei o que. O (General Charles) De Gaulle pode andar pelas ruas e não ser vaiado e o Luis XIV não podia! " Enfim, o clima na França não dava para suspeitar que fosse haver uma modificação tão forte do sentimento como o que aconteceu
RFI: E quando a revolta estourou, qual era o clima nas ruas da capital naquele mês? O senhor se lembra das conversas com seus estudantes?
FHC: Claro! O clima na universidade era diferente deste que eu acabei de contar a você, porque havia muita inquietação na Universidade em Paris, especialmente em Nanterre, pois o ministro da Educação, (Alain) Peyrefitte, estava querendo fazer uma mudança no sistema universitário. Isso encontrava oposição por parte de alguns professores que eram bastante conservadores - vistos pelo olhar de um brasileiro, como o meu, que tinha sido professor no Chile e estava na Europa.
Eu achava muito estranho que os professores reclamassem muito da bagunça, da desordem. Eu não via bagunça nenhuma! Apenas havia uma movimentação forte dos estudantes, com distribuição de panfletos, palavras de ordem nos muros. Isso irritava muito os professores. O jornal Le Monde dava atenção para isso porque estava a favor da reforma que o Peyrefitte queria fazer. Então, em uma certa altura - e eu participei da reunião da congregação - resolveram dar uma lição: a bagunça é muito grande e assim não podemos trabalhar. Vamos fechar a faculdade. E fecharam a faculdade para protestar. “Não há clima para trabalhar aqui dentro”. O Cohn-Bendit tinha tido um incidente com o ministro da Juventude e dos Esportes, (François) Missoffe, que foi lá inaugurar uma piscina e o Cohn-Bendit disse que aquilo era um procedimento nazista, que queriam que eles fizessem esportes ao invés de fazer uma vida mais livre, mais amorosa... Havia a reivindicação dos estudantes de as moças poderem ir ao dormitório dos rapazes, ou melhor, dos rapazes irem ao dormitório das moças, era isso que não era permitido. O vice-versa era permitido. Isso, para um brasileiro, isso era uma coisa estranha, porque aquilo ninguém nem cogitaria de permitir. Mas lá era ampliar a permissão. Enfim, fecharam a faculdade.
No dia 22 de março os estudantes decidiram ocupar a Faculdade e começou a haver um debate muito grande. Eu assisti, participei, levei diversos amigos meus, como o Mário Pedrosa, que era um ilustre crítico de arte aqui no Brasil e que estava na França. Eu levei o Mario Pedrosa para assistir a algumas das reuniões dentro da Faculade de Nanterre. Os trabalhadores da região vinham um pouco assustados, não entendiam nada daquela gritaria dos estudantes, com palavras de ordem que não tinham muito a ver com a reivindicação operária. Tinham a ver com uma reivindicação de liberdade... "é proibido proibir", este tipo de questões. Uma revolução emocional, cultural, existencial.
Até que um dia, isso se manifestou também na Sorbonne, a sede da Universidade de Paris, no Quartier Latin. E houve a reação da polícia. Aí começou uma conflagração. Eu morava alí perto, em uma rua que se chama "Germaine de Bois" (ndrl: essa rua não existe) e por duas noites eu não pude voltar para casa porque estava tudo ocupado... uma espécie de conflagração nas ruas. A polícia com gases lacrimogênios e toda a população francesa nas ruas discutindo suas vidas. Eu vi na Sorbonne, no Teatro de Odeon, grandes discussões... Sartre participava e era vaiado, pois já parecia conservador aos olhares dos jovens que queriam mudar o mundo. Enfim, foi um momento de grande ebulição.
RFI: O senhor chegou a participar dessas manifestações?
FHC: Claro, claro... Participei. Participei de quase tudo. Quando havia as barricadas, uma noite eu saí com o professor Alain Touraine e o (Eric) Hobsbawm e mais um amigo nosso, Alessandro Pizzorno, que era professor na faculdade de Turim e depois de Harvard. Nós andamos pelas ruas... eu encontrei Cohn-Bendit em uma dessas vezes, no meio da rua. Era tudo um pouco simbólico. Havia barricadas, mas não havia tiro. Havia gás lacrimogênio mas não havia mortes. E as reivindicações eram muito diferentes do que acontecia na América Latina, que era a época em que tinham matado o (Che) Guevara, que havia uma imensa ebulição verdadeiramente revolucionária. A revolução na França era simbólica do ponto de vista latino-americano. Não expressava o que aqui se chamava luta de classes ou anti-imperialismo como era visto aqui na América do Sul. Lá (na França) era muito mais uma revolução comportamental: Mudar a vida, mudar o modo de cada um viver, ter mais liberdade, estar tudo ao alcance de todos. Este era o clima que havia em Paris.
RFI: O seu ex-aluno, Daniel Cohn-Bendit, um dos líderes do movimento, disse que a sociedade deveria esquecer maio de 68. E o presidente francês, Nicolas Sarkozy, acredita que a herança de 68 é maléfica para a sociedade. A ideologia de 68 tem espaço hoje em dia, presidente?
FHC: Eu acho que, no que diz respeito às aspiracões por mais liberdade das pessoas, de formas de comportamento, tem espaço e eu não vejo porque esquecer. O Cohn-Bendit, por exemplo, eu me encontro com ele, de vez
RFI: Qual a melhor lembrança?
FHC: A experiência de ver um povo refletindo sobre suas vidas. Todos. Paris estava na rua. Era uma coisa impressionante, a intensidade com que as pessoas questionavam sobre si próprias. Não era uma revolução no sentido sociológico, de mudança de estruturas da sociedade, revolução de classes... nesse sentido era algo que nós não tínhamos experiência. Embora tivesse posto em jogo o poder do presidente De Gaulle, que teve que ir à Alemanha buscar apoio - os comunistas o apoiaram também - houve consequências políticas.Mas não era essa a principal questão que estava
RFI: Muito obrigado, presidente Fernando Henrique Cardoso, pela entrevista sobre maio de 68.
(Entrevista realizada por Mário Câmera)
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