Reportagem publicada em 18/05/2008 Última atualização 21/05/2008 12:29 TU
O kibutz Bror Chail foi oficialmente criado por judeus do Egito em 1948, mesmo ano da declaração de independência de Israel. Os brasileiros começaram a chegar a partir dos anos 50 e viviam em casas sem banheiros privados nem água corrente.
Foto: Kibutz Bror Chail
O kibutz, comunidade de inspiração socialista e rural, se tornou uma das experiências mais conhecidas de coletividade e um dos maiores símbolos da formação de Israel.
“O kibutz não foi a principal forma de colonização do país, mas foi a mais singular e admirada em todo o mundo”, afirma o historiador Gerardo Leibner, da Universidade de Tel Aviv.
As primeiras coletividades agrícolas surgiram entre o final do século 19 e o início do século 20 com a chegada de imigrantes, especialmente da Europa Oriental e da antiga União Soviética. Eles desembarcavam no território com a determinação de transformar em realidade os ideais socialistas e utópicos de uma sociedade igualitária.
Os kibutzim (plural de kibutz), representaram também a oportunidade de acolher imigrantes de outras partes do mundo e foram importantes na estratégia de ocupação e defesa do estado judeu.
Kibutz brasileiro
O primeiro kibutz criado oficialmente depois da proclamação de independência de Israel, em maio de 1948, foi Bror Chail, localizado no sul do país.
Foi instalado estrategicamente ao longo da única estrada que, na época, levava ao deserto de Negev. Seus primeiros moradores foram judeus que vieram do Egito, mas, a partir dos anos 50, o perfil da comunidade mudou com a chegada de judeus do Brasil.
“Não tinha banheiro nas casas. Uma parede de zinco separava o banheiro público dos homens e o das mulheres. Não tinha asfalto, era tudo lama”, lembra o recifense Jaime Averbuch que vive em Bror Chail há 50 anos.
Nos primeiros anos, os trabalhadores plantavam e colhiam batatas, cebolas e algodão com as mãos.
Foto: Kibutz Bror Chail
Formado em economia e engenharia, ele abandonou o trabalho de professor e funcionário público aos 28 anos para se instalar em Israel.
“Trabalhávamos nas lavouras mas não tinha máquinas, então, colhíamos algodão, batata, cebola, tudo com as mãos”, diz.
Viver em uma sociedade com tradições judaicas e participar ativamente da formação de um país recentemente criado foram as principais motivações dos jovens brasileiros para fazer a aliyah, termo judeu que significa “retornar à terra”.
“Abandonei a faculdade de direito no Rio de Janeiro e cheguei aqui em 1958 com minha esposa para participar de todo esse processo”, recorda Avraham Cheinfeld, um dos principais dirigentes do kibutz.
“Antes era tudo coletivo. Todos comiam no refeitório, havia um centro que distribuía roupa para os membros do kibutz e todas as decisões eram tomadas em assembléias”, diz ele.
Trabalhar de acordo com as possibilidades e receber segundo as necessidades era o lema de funcionamento do kibutz, por onde já passaram cerca de 2 mil brasileiros.
“O garçom, o diretor ou o trabalhador na agricultura recebiam o mesmo salário e contribuíam de maneira igual para a comunidade” explica Averbuch, ex-diretor econômico de Bror Chail.
Mudanças
A crise econômica de Israel nos anos 80 e as mudanças no comportamento social, com aspirações de maior privacidade e individualidade, foram fatores considerados determinantes para as transformações dos kibutzim e o fim do sonho de uma sociedade igualitária.
Avraham Cheinfeld e a esposa chegaram em 1958 e fazem parte da primeira geração de brasileiros a desembarcar no kibutz.
Foto: Elcio Ramalho / RFI
“Dos 250 kibutzim no país, uns 50 ainda se mantêm no sistema tradicional, onde tudo é coletivo, mas a maioria, como no nosso caso, é chamado de kibutz novo ou renovado”, esclarece Cheinfeld.
As mudanças em Bror Chail começaram em 2001 com a terceirização de muitas atividades e com uma nova gestão econômica. O asilo foi arrendado para um centro especializado em cuidados para idosos, financiado pelo sistema público de saúde.
O antigo refeitório, onde todos faziam juntos as refeições diárias, foi alugado a um casal de brasileiros que oferece almoço duas vezes por semana, com feijoada no cardápio.
Dos 600 moradores de Bror Chail, 180 são membros efetivos e contribuem com 25 por cento do salário para um fundo de solidariedade que administra aposentadorias e os serviços comunitários.
“Antes era comunismo mesmo. Hoje, com as mudanças, se tornou um socialismo moderado”, teoriza o ex-diretor econômico de Bror Chail.
Os mais saudosistas consideram que a educação infantil ainda mantém os mesmos princípios que caracterizam o espírito coletivo do kibbutz, apesar das transformações.
Antes, assim que os bebês nasciam eram levados para a “casa das crianças” pois pertenciam à comunidade. Atualmente eles dormem com os pais em casa e passam apenas algumas horas do dia em coletividade.
“Somos três profissionais para cuidar de 11 crianças. Temos tempo e condições de dar todo o carinho e atenção a elas. E depois nos vemos muito fora daqui, na comunidade. Continuamos como uma grande família”, diz a pedagoga Ana Kachez.
Museu
Uma das mudanças mais significativas e simbólicas do fim do sistema tradicional de Bror Chail foi a decisão de privatizar as casas dos colonos.
“Antes tudo pertencia ao kibutz. Cada morador não tinha direito à propriedade mas agora podemos comprar as casas e assim, deixar uma herança para nossos filhos e netos”, comenta Cheinfeld, sem conseguir prever como será o futuro do kibutz como organização coletiva.
“Acredito que funcionará como uma sociedade integrativa, de pessoas com interesses comuns, vivendo juntas”, sugere a pedagoga Ana.
Bror Chail se adapta aos novos modelos de gestão política, financeira e social mas pretende preservar a administração de um patrimônio cultural construído ao longo de 60 anos e que tem como grande destaque o Museu 29 de Novembro.
A data se refere ao dia da sessão da ONU, em 1947, que decidiu pela partilha da Palestina em dois estados, um para os judeus e outro para os árabes, que não aceitaram a divisão.
O martelo e a cópia da Ata da Assembléia Geral da ONU, presidida pelo diplomata brasileiro Osvaldo Aranha, são os dois principais documentos do museu do kibutz.
Foto: Elcio Ramalho / RFI
Dentro do pequeno museu funciona o centro cultural Osvaldo Aranha, diplomata brasileiro que presidiu a sessão histórica. Fotografias da proclamação da independência de Israel e de registros do kibutz Bror Chail nos anos 50, além de manchetes de jornais de época compõe um cenário onde os objetos mais valiosos estão numa redoma de vidro: o martelo usado por Osvaldo Aranha e uma cópia da ata da sessão da ONU com a votação dos 56 países sobre a criação do estado judeu.
O documento original, trazido pelos familiares de Osvaldo Aranha há varias décadas, encontra-se num cofre do kibutz e está sendo requisitado pelo governo israelense que quer levá-lo para um lugar mais adequado de conservação.
“Estamos em entendimento com o arquivo nacional de Israel que tem muito interesse em receber esses dois objetos. Mas para nos é muito importante que eles fiquem aqui.” afirma Cheinfeld.
Para festejar os 60 anos de fundação de Bror Chail foi criada a Associação Comemorativa Aliá Dror do Brasil que inclui antigos moradores do kibutz.
No dia 25 de setembro o kibutz vai ser palco de uma programação cultural intensa com música, exposições de fotografias e artes plásticas para lembrar a trajetória dos primeiros imigrantes e também celebrar as seis décadas de fundação do estado judeu.
(Reportagem realizada pelo enviado especial da RFI, Elcio Ramalho)
ÁUDIO
Pedagoga e moradora do kibutz Bror Chail
"Quando o estado de Israel foi formado, era uma coisa importante para as pessoas ficarem juntas e formar este estado aqui, mas não iria aguentar muitos anos porque as pessoas são individualistas, egoístas e repartir tudo umas com as outras é muito difícil. Mas tem coisas em comum que a gente quer que fique em um nível melhor do que tem lá fora. O kibutz vai mudar muito, a gente não sabe onde vai chegar mas vai progredir com o tempo."
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