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Reportagem publicada em 29/08/2008 Última atualização 29/08/2008 15:07 TU
O vilarejo sul-ossetiano de Tkviani, na fronteira com a Geórgia, foi bombardeado pelas forças russas que tentam neutralizar a influência da OTAN no Cáucaso.
Foto: Reuters
Ninguém sabe quando e quem começou, tudo se perde na névoa do tempo. A única certeza é de que se trata de mecanismos históricos, emoções, medos, vinganças que não se enquadram num tratamento completamente racional e escapam ao controle dos diversos atores do drama, todos submetidos à força avassaladora do Destino, como numa tragédia grega.
O coração do império russo, a Moscóvia, sem grandes defesas naturais, sempre se sentiu vulnérável às invasões do Leste como do Oeste. E desde sempre tentou estabelecer e ampliar o controle sobre as regiões vizinhas. A Rússia nasce e vive como império e não como estado nacional. É claro que os povos vizinhos, sobretudo na Europa, onde Estados organizados existem há séculos, nunca consideraram que a condição de serem súditos de Moscou era uma coisa natural e benéfica. A história da Europa central e oriental é uma eterna luta contra os impérios, turco, russo e alemão. Hoje, o império otomano desapareceu e a Alemanha é um membro democrático e pacífico da União Européia. Mas uma Rússia ambiciosa está renascendo das ruínas da antiga União Soviética.
Quando o Muro de Berlim desmoronou, a primeira reação dos países europeus ocupados e humiliados há décadas pelos russos foi reivindicar a integração mais rápida possível na Aliança ocidental. Primeiro a OTAN, antes mesmo de entrarem na União Européia. A memória histórica dos poloneses, bálticos, checos ou húngaros é de que sozinhos, na hora do vamos ver, todo o mundo os abandona. E que a Guerra Fria e a Cortina de Ferro os sacrificou enquanto a Europa ocidental prosperava e se enriquecia. Para estes antigos membros forçados do Pacto do Varsóvia, só os Estados Unidos, que vieram duas vezes salvar a Europa da ameaça totalitária, tem alguma credibilidade para resistir a uma possível tentativa russa de reconquistar uma zona de influência na Europa. Não se trata de saber se eles tem ou não razão de pensar assim. A questão é que não podem confiar na boa vontade nem dos russos, nem das grandes potências européias. Sem a garantia da OTAN, os países da Europa central e oriental, libertos do comunismo, nunca poderiam ter conseguido criar o consenso político interno para trilhar o caminho da democracia e das reformas econômicas que abriram as portas da integração na União Européia. Fora da OTAN, esta região seria um caldeirão de instabilidade crônica na fronteira da Alemanha e da Escandinávia, ameaçando todos os equilíbrios da Europa ocidental.
A tragédia é que este alargamento da OTAN só podia reanimar os velhos reflexos obsidionais de Moscou. Em nome do restabelecimento da potência russa, o Kremlin, agora dirigido por homens do antigo KGB soviético, foi abandonando a via democrática, concentrando o poder interno e ameaçando e chantageando seus vizinhos, a Estônia, a Letônia, a Ucrânia e a Geórgia. E o mecanismo trágico volta a se engatilhar. A ambição russa de criar uma nova zona de influência, provoca mais pavor ainda nos estados europeus vizinhos que fazem tudo para que Americanos e Europeus ocidentais lhes dêem garantias concretas de segurança. Aceitar os mísseis antimísseis americanos e pedir bases dos Estados Unidos no próprio território é claramente uma maneira de ter as forças da OTAN em primeira linha frente aos russos. O que provoca uma reação ainda mais dura de Moscou, culminando na invasão da Geórgia, depois da irresponsável provocação do presidente georgiano. Este precedente obriga a União Européia e os Estados Unidos a reagir para impedir novos avances russos que poderiam ameaçar a Europa central e oriental. A tragédia histórica de sempre está recomeçando e vai ser muito difícil impedir que o drama se desenrole até o seu terrível final. Entramos numa paz fria, mas uma nova guerra fria aparece no horizonte.
(Crônica de Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos, de Paris)
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