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Política Internacional

No Caribe a supremacia ainda é americana

Reportagem publicada em 09/09/2008 Última atualização 09/09/2008 17:24 TU

A América Latina deve saber que a independência da Ossétia do Sul é exemplo para a secessão das províncias bolivianas.   Foto: Reuters

A América Latina deve saber que a independência da Ossétia do Sul é exemplo para a secessão das províncias bolivianas.
Foto: Reuters


O velho Karl Marx já dizia que quando a história se repete, ela se repete como uma farsa. E é o que parece estar acontecendo na nossa triste América Latina depois da invasão russa da Geórgia. O histriônico Hugo Chavez foi o primeiro a celebrar o que ele acha que pode ser uma volta do enfrentamento de grandes blocos geopolíticos. « A Rússia voltou! », bradou o presidente bolivariano anunciando a visita de uma frota russa no Caribe e oferecendo os portos do país para o novo aliado estratégico da Venezuela. Mas o líder venezuelano não ficou só nisso. Também declarou que estava pronto a abrir os seus aeroportos para os aviões militares russos e - ainda mais exótico – que a Rússia estava no seu pleno direito quando reconheceu a independência das duas províncias georgianas da Ossétia do Sul e Abkházia. Mas Chavez não foi o único que se alinhou com as posições de Moscou. O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, também saiu reconhecendo a independência das duas regiões da Geórgia.

Obviamente, nenhum dos dois farsantes pensaram nem um segundo nas consequências deste tipo de posicionamento para a paz e a estabilidade na América Latina. Qual o interesse dos latino-americanos em importar uma nova guerra fria na região? Para começo de conversa, a Rússia de Putin não é tão poderosa quanto eles pensam. Inclusive, ficou claro na própria intervenção na Geórgia, que boa parte do material militar russo era de péssima qualidade e obsoleto. Prova disto é a grande quantidade de tanques russos que simplesmente enguiçaram pelo caminho. O Kremlin tem alguma condição de lançar guerras fronteiriças contra adversários fracos, mas ainda está muito longe de poder se apresentar como uma potência mundial. Brincar de aliado estratégico da Rússia no Caribe e chamar barcos e aviões russos para a região só para dar uma banana para Washington é completamente pueril.

Torcer para que venha uma nova guerra fria na região é dar um tiro certeiro no pé. A Rússia nunca poderá contestar seriamente a supremacia americana no Caribe. Mas os Americanos - se por acaso um dia acharem que estão sendo ameaçados pelos Russos - têm meios de sobra para exigir e obter que a maioria dos países latino-americanos se alinhem. Não vai sobrar espaço para não-alinhamentos ou até para decisões soberanas. Uma América Latina, dividida em dois blocos alinhados com potências externas não é bem um cenário alvissareiro para a região. « Quando dois elefantes brigam quem é pisada é a grama ».

Mais grave ainda é aplaudir quando se abre a caixa de Pandora das secessões e reconhecimentos de independência. Será que Daniel Ortega esqueceu que logo no início da revolução sandinista, nos anos 1980, os índios Mesquitos da costa caribenha da Nicarágua reivindicavam a independência ? E o que pode pensar o governo da Guiana, onde parte do território é reivindicado pela Venezuela ? Será que Chavez também acha que basta uma intervençãozinha militar para engolir o Essequibo, como a Rússia está fazendo com a Ossétia ? E isto, sem falar na atual situação da Bolívia, com as províncias orientais da Meia-Lua flertando com a secessão. Ou com as inquietações que existem no Brasil com relação ao estatuto das tribus indígenas no norte do país, com o pavor, por enquanto sem nenhuma justificação, de que poderiam ser utilizadas para desmembrar a Amazônia em Estados indígenas autônomos sob controle internacional.

Existem ainda muitos conflitos fronteiriços e questões identitárias na América Latina para sair brincando com fogo desta maneira. Ainda bem que ainda se trata de uma farsa, pura retórica bem latina. O problema é que não estamos mais no século 20. Hoje, o mundo é cada vez mais interdependente tanto do ponto de vista econômico quanto político e até cultural. Hoje, até países como o Irã já estão se metendo na paisagem latino-americana. O nosso continente que sempre viveu longe das grandes tragédias do mundo está sendo sugado por elas. Está chegando a hora onde não poderemos mais ficar em cima do muro e seremos obrigados a tomar posição sobre conflitos intratáveis e longínquos, com todos os perigos que isto vai acarretar. Mas o mínimo, é que os latino-americanos façam isto de maneira cautelosa e inteligente, sem arroubos ideológicos e sobretudo evitando tiros que saem pela culatra. Melhor cuspir de costas para o vento do que de frente. Num texto célebre, Karl Marx mostrou que tinha o maior desprezo por Bolívar, mas teria rido ainda mais com as aventuras do seu avatar moderno.

(Crônica de Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos, de Paris)

 

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