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Política internacional

Cúpulas latino-americanas demais

Por Alfredo Valladão

Reportagem publicada em 17/12/2008 Última atualização 17/12/2008 14:56 TU

Dirigentes dos países da América Latina e Caribe que participam das quatro cúpulas em Costa do Sauípe. Foto: Reuters

Dirigentes dos países da América Latina e Caribe que participam das quatro cúpulas em Costa do Sauípe.
Foto: Reuters

A retórica é um dos grandes instrumentos de qualquer política externa. Proclamar objetivos é uma maneira de se posicionar e abrir caminhos para novas instituições e novas ações no campo internacional. Sem retórica, sem a coragem de marcar abertamente uma vontade política, não há meio de criar novas realidades.

Mas é claro que tudo isto tem limites. Um discurso que está longe demais da realidade, só faz revelar a atitude daqueles que clamam que « desta vez vamos » mas ficam sempre no mesmo lugar. Como dizia o nosso grande « Poetinha » : o homem que diz « vou » não vai…

É justamente na Bahia – terra de Caymmi e João Gilberto, e que Vinícius amava – que vamos celebrar um dos maiores eventos retóricos da região : as cúpulas concomitantes do Mercosul, da Unasul, do Grupo do Rio e da América Latina e Caribe. Quem olha de fora só pode pensar que é só no continente do realismo mágico que um tamanho acúmulo de reuniões de chefes de Estado é possível. A idéia é mostrar que os Latinos agora são gente grande e que podem conversar sem a presença do Tio Sam ou da Tia Europa.

Claro, este objetivo não é desprezível. Estava na hora destes velhos Estados nacionais, criados na primeira metade do século XIX, há quase duzentos anos, tomarem suas responsabilidades no mundo sem se esconderem nas saias das grandes potências. Mas o problema é saber se sim ou não estão dispostos a isso ou se é mais um jeitinho de ficar em cima do muro.

A multiplicação de reuniões de cúpula parece mais com aquelas tradicionais caixinhas russas em forma de boneca. Você abre a boneca e, dentro tem outra boneca, e dentro dessa outra mais outra, e assim por diante. No final, você terá várias bonecas, mas todas vazias. O Mercosul está num estado catatônico, paralisado pelas opções políticas e econômicas divergentes do Brasil e da Argentina, com o Uruguai e o Paraguai perdendo a paciência.

Mas em vez de tentar ressuscitar o processo para valer, cria-se novas bonecas como o Instituto Social do Mercosul (e todo mundo sabe que estamos longe, mas muito longe, de ter uma harmonização das políticas sociais no bloco). Ou então, coloca-se a boneca Mercosul, dentro da boneca Unasul. Mas passar do Prata para toda a América do Sul só faz multiplicar os problemas. É óbvio que Venezuela, Equador ou Bolívia têm concepções radicalmente diferentes das do Brasil, do Peru, da Colômbia, do Uruguai ou do Chile, quanto ao que deveria ser a integração regional. O bolivarianismo e o « socialismo do século XXI » não têm nada a ver com o capitalismo social e a abertura de mercados dos outros sul-americanos. Mas não há de ser nada. Basta por tudo isto numa nova boneca maior ainda : a Cúpula da América Latina e Caribe (CALC). Pensar que vai ser mais fácil e eficiente discutir e encontrar políticas comuns para enfrentar o vendaval da crise econômica mundial agregando a presença do México, dos centro-americanos e dos caribenhos é acreditar em milagre natalício.

A verdade é que toda esta construção barroca é sobretudo resultado da retórica política do Brasil. É Brasília que sustenta e promove estas diversas instituições para aparecer como o líder da integração regional frente aos norte-americanos. O problema é que o Brasil se transformou num enorme elefante econômico e político na região. Qualquer movimento que ele faça, para o bem ou para o mal, incomoda os vizinhos, bem mais fracos. Todos esperam uma liderança brasileira, mas todos também têm medo de um novo « imperialismo » brasileiro.

Queira ou não, o Brasil vai ter que se habituar a ser maltratado e xingado pelos vizinhos que, ao mesmo tempo, vão pedir concessões políticas e acesso ao mercado interno brasileiro. Benvindo ao clube dos Grandes ! Só que Grande mesmo sabe que tem que pagar um preço, tanto politico quanto econômico, para ser aceito como líder ou até como um simples protagonista incontornável. Não adianta ficar criando novas siglas e reuniões de cúpula se não se consegue rechear as bonecas com coisas sérias e concretas que possam servir os interesses de todos.

Enquanto isto não acontece, os latino-americanos continuarão buscando o futuro com os Estados Unidos, a Europa ou a Rússia ou o Irã, dependendo do matiz ideológico de cada um. A retórica na diplomacia é só um primeiro passo que ninguém leva a sério se ficar só nisso.

(Alfredo Valladão, cronista da Rádio França Internacional)

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